Os Áugures, na Religião da Antiga Roma

As corporações religiosas da Religião de Roma pré-cristã

Os Deuses na Religião Romana
A Estrada de Ouro

Claudio Simeoni
traduzido por Dante Lioi Filho

Índice da Religião Romana

 

Os Áugures constituem um dos cernes, em torno dos quais, a religião romana vem se formando. Os Áugures são videntes. São aqueles que, ao se relacionarem com o mundo ao redor e com as contradições manifestadas no mundo, constroem os relacionamentos entre Seres Humanos e Autoconsciências que estão presentes no mundo. Seguramente não são de origem romana, mas Etrusca (um grupo particular de Áugures, os Arúspices, a saber aqueles que interpretam o interior dos animais, são certamente de origem Etrusca) e no geral Latina. Provavelmente são os mais antigos do que a própria civilização Etrusca e são os fundadores desta.

Os Áugures eram Seres Humanos capacitados para alterar a percepção entrando, deste modo, em sintonia com o mundo ao redor, indicando o quanto é possível adquirir sem que as Consciências, presentes em derredor, se rebelem opondo-se à uma determinada aprendizagem.

Eles conseguem ler os fenômenos provenientes do mundo em volta, como confirmação ou como oposição à nossa vontade para praticarmos uma ação. A condição, para que isto seja possível, é a capacidade que o Ser Humano tem para subjetivar os desejos, as tensões e as necessidades do próprio mundo ao seu redor, ou seja: a sua capacidade para tornar-se o próprio mundo ao redor.

Tornar-se Silvano significa tornar-se uno com o bosque. Significa fazer como pessoal os desejos, as aspirações, as expectativas, as necessidades do bosque na medida em que tudo isto têm relação com os Seres Humanos. Quando isto sucede, o Ser Humano se torna bosque, aquele bosque singular; as suas mãos são as do bosque, a sua inteligência é a inteligência do bosque, as suas aspirações são as aspirações do bosque, as suas necessidades são as necessidades do bosque.

Quando isto sucede, o bosque se torna Ser Humano, aquele Ser Humano singular; as suas folhagens e as suas raízes são as do Ser Humano, o seu Conhecimento é o Conhecimento do Ser Humano, as suas intenções são as intenções do Ser Humano, as suas necessidades são as necessidades do Ser Humano.

O Ser Humano, através das suas próprias emoções, se funde com a Autoconsciência do Bosque e, na vida de todos os dias, no cotidiano da razão, a Autoconsciência do Bosque responde às interrogações, às aspirações e às expectativas do Ser Humano enviando-lhe sinais que ele, e somente ele (a menos que outros não tenham percorrido a sua mesma vereda e construído a mesma interação), está capacitado para interpretar por meio do surgimento de sensações dentro dele.

Os sinais não são invocados, chegam de imediato. Captá-los constitui um ato de magia emotiva executado pelo Áugure no cotidiano da razão. Um instante, um gesto, um sinal que o Ser Humano deve captar velozmente e introduzi-lo na própria consciência nacional. Quando o Ser Humano pede um sinal, a sua razão tritura rios de palavras através das quais recitará as próprias esperanças, e as próprias expectativas, ignorando os sinais que se manifestam ao seu redor.

Este è o Áugure.

Um Ser que se tornou uno com o mundo adjacente e deste recebe indicações de como proceder, no desenrolar dos seus projetos pessoais. Os planos particulares, as próprias aspirações, as próprias necessidades. As suas aspirações, planos e necessidades não são os mesmos das pessoas que lhe estão ao redor.

Eis o Áugure encarregando-se dos problemas que necessitam de solução, ou as indicações através das quais prosseguir para a solução dos problemas, ele é útil também para as pessoas entre as quais se encontra.

O Áugure é o Ser Humano que se une à objetividade, assimilando-a, e desta objetividade capta o que é útil para uma existência melhor.

Quando os Seres Humanos vivem nos bosques ou nos seus limites, o Áugure é o Ser Humano que se torna Silvano, Fauno ou Pale e, por meio desta união, ele conduz os Seres Humanos que estão seu redor em direção ao bem-estar.

Para indivíduos que se tornam, que se fundem, com Silvano, Fauno ou Pale, pelo menos cinquenta deles experimentam imitá-los. Se para o Ser Humano que se fez Silvano um voo do Ser Corvo (ou qualquer outro) para ele significava efetivamente uma resposta ou pergunta que envolvia as suas emoções, então a reprodução de tal voo deveria ser codificada indicando determinada expressão da Natureza, cada gesto de um animal singular, cada trovão ou raio proveniente do céu era codificado para que se pudesse construir uma sinopse dentro da qual esse Ser Humano pudesse se mover.

Do vidente que, se tornou uno com o mundo que lhe é imediato, opera-se para resolver os seus problemas e os dos seus semelhantes, passa-se aos indivíduos que de posse de algumas informações codificadas pretendem ler as manifestações do mundo imediato, não somente dos seus desejos pessoais (e isto representaria um elemento ao seu favor), mas de alguma coisa externa com a qual esses indivíduos se ergueriam a cães de guarda.

Neste ponto, não é o Ser Humano que, se tornando uno com a objetividade, se torna Áugure, mas se torna Áugure aquele que a instituição, da qual os Áugures se transformaram em guardiães, deseja que se torne Áugure. O Comando Social se garante. Áugure não mais indica o vir-a-ser do Ser Humano através da sua fusão com a objetividade, mas se torna uma profissão da qual o Comando Social se apropria com a finalidade de salvaguardar a si próprio procurando impedir os Seres Humanos de se fundirem com a objetividade.

Aos Seres Humanos, então, passa a ser proibido tornar-se Áugure sem o consentimento do Comando Social, no entanto, na realidade, muitos Seres Humanos se tornam Áugures sem que por isso sejam considerados Áugures do Comando Social.

Com o desaparecimento dos Áugures autênticos forma-se a Corporação dos Áugures, constituída por cinco cidadãos patrícios. A prerrogativa de ser patrício para se tornar Áugure era muito importante. O Comando Social é controlado por essa classe social; é dessa classe social que pode advir a proteção daquele Comando Social. O Áugure deveria ser um guia para os Seres Humanos que vivem com ele, ou que com ele partilhavam as suas aspirações, de algum modo, ou ainda dele dependiam, para a satisfação das suas aspirações.

Somente o patrão, de acordo com a perspectiva do Comando Social, podia isentar o indivíduo desta função; em outras palavras somente aquele que possuía outros Seres Humanos podia, consoante as normas novas, tornar-se Áugure. O Comando Social, por motivo da sua natureza, não toleraria nenhuma outra solução.

O Áugure, de um indicador do Poder de Ser, através do qual o indivíduo tornava-se uno com a objetividade em que vivia, passou a ser um representante do Poder de Possuir, com o qual passou a ressaltar a capacidade de controlar e de possuir os seus escravos.

O Áugure, representador da liberação do Ser Humano, por meio do seu vir-a-ser na objetividade, tornou-se um instrumento usado pelo Comando Social para obstruir a evolução dos Seres Humanos, no cotidiano, e assim transformá-los em servos dos seus proprietários.

Pouco importa se os Áugures foram muito ou pouco sábios, a Corporação dos Áugures usurpou uma função Social que não lhe cabia e, a sabedoria, não estava direcionada a eles, como Seres Humanos, mas a eles como guardiães de um Comando Social do qual faziam parte e a ele, por isso, beneficiavam.

A instituição do colégio dos Áugures regressou a Rômulo ou a Numa. Ainda que os Seres Humanos de posse da capacidade para desenvolver a função de Áugure, se reuniam naquela época, o Poder de Ser guiou Roma para sair da monarquia e no mínimo um Áugure, capaz de se tornar uno com a objetividade, esteve presente no colégio dos Áugures, até o período de Silas.

O colégio dos Áugures funcionava em Roma como hoje funciona a moderna Côrte Constitucional, isto é, alteravam leis que não correspondiam aos princípios do Mos Maiorum.

Com a lei Ogúlnia, no ano 300, os assentos no Colégio aumentaram em nove com o acesso inclusive dos plebeus ao cargo. Silas elevou o número dos assentos a 15 e César a 16. Depois disso em diante nenhum Áugure, unido com a objetividade, estava presente no Colégio dos Áugures e Roma curvava-se a si mesma.

No tempo do império, o número podia ser aumentado porque os imperadores se atribuíam o direito de eleger membros em número exorbitante dentro do colégio dos Áugures, acrescentando, dessarte, Áugure e seus familiares.

O Colégio dos Áugures mantinha o relacionamento entre os membros através de vínculos de afeto e, inicialmente, se renovava por agregação de membros novos por indicação da própria corporação. Na prática, eram os Áugures que determinavam quem podia entrar para fazer parte do Colégio. Com este método, o Colégio garantia a qualidade dos seus membros e, provavelmente, foi graças a este método que o poder de Ser pode guiar Roma para fora da monarquia e por todo o período republicano.

Com a lei Domizia do ano 103 a.c., ab-rogada por Silas, porém voltou a vigorar em 63 a.c., impunha a eleição dos membros do Colégio dos Áugures, por meio de comícios restritos, formados por 17 tribos sorteadas, ainda que o Colégio conservava o direito de indicar os candidatos. Estes deveriam ser indicados por dois membros do colégio, não mais que isto, sendo que esses dois membros deveriam declarar, publicamente, que aquele indicado era considerada a pessoa melhor.

Os Arúspices declarados pelos Áugures, como já foi afirmado, não eram sujeitos identificados com o futuro, mas eram propensos a harmonizar as ações dos Seres Humanos com a objetividade existente. Isto era possível somente se o Áugure era ao mesmo tempo Ser Humano e objetividade.

Nos últimos tempos da república, a interrogação dos Arúspices perde o seu caráter de relação entre o Ser Humano e as Autoconsciências na objetividade, para então fornecer respostas de previsões e sugestões extremamente políticas.

Recorda-se de Fábio Massimo o Protelador, ele sendo Áugure, vem a declarar que apenas o que era feito em favor do Estado gozava de bons auspícios, ao passo que propostas de leis danosas tinham Auspícios contrários para o Estado. Fábio Massimo introduzia o conceito, confeccionado imediata e exclusivamente para o Poder de Possuir, segundo o qual era o Estado que se servia dos Áugures e não eram os Áugures que guiavam as ações do Estado.

Essa asserção de Fábio Massimo, não é uma afirmação racional, é antes a constatação da sua própria derrota. Ele não está em condições de se tornar uno com a objetividade adjacente. Ele não está em condições de obter respostas da objetividade e, então, se ampara naquilo que pode proteger a sua incapacidade pessoal: a instituição Estado. Ele Áugure, deveria guiar o Estado e, ao invés, se torna um servidor do Estado: um servo!

Ele pensa não ser o incapaz, pensa que a capacidade exaltada pelos Áugures, não existe. Por conseguinte, deve se curvar a uma simulação que ele consente existir: o Estado. De forma que, o Áugure que o agregou à corporação, dentro do Conselho, sabia perfeitamente quem estava agregando e porquê o fazia.

Pelas afirmações de Fábio Massimo, é fácil alcançar o progresso natural acerca da observação dos fenômenos ao nosso redor. A observação dos fenômenos se reduz, gradativamente, a uma pura formalidade. Em síntese, cessou também o fingimento da observação. O Áugure tomava a decisão solicitando ao servo para lhe indicar o aparecimento de um sinal como confirmação da sua decisão.

Nas mãos do Comando Social, a corporação dos Áugures foi exaurida do seu poder e da sua função. Finalmente, Roma foi destruída!

 

Texto de 1993

Revisado na formatação atual: Marghera, janeiro de 2019

 

Aqui você pode encontrar a versão original em italiano

A tradução foi publicada 18.04.2019

 

Il sentiero d'oro: gli Dèi romani

A vida representada por Juno na 'Piazza delle Erbe' em Verona

 

O suicídio representada por Julieta em Verona

 

A Religião Pagã exalta a vida triunfando na ocasião da morte.

 

O cristianismo exalta a morte, a dor, a crucificação e o suicídio.

 

Por isso os cristãos desesperados têm um patrão, que lhes promete a ressurreição na carne.

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Claudio Simeoni

Mecânico

Aprendiz a Bruxo (Apprendista Stregone)

Guardião do Anticristo (Guardiano dell'Anticristo)

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A Religião da Antiga Roma

A Religião da Antiga Roma estava caracterizada por dois elementos fundamentais. Primeiro: era uma Religião elaborada pelo homem que habita o mundo, que é constituído por Deuses, e com estes ele mantinha relacionamentos recíprocos para interesses comuns. Segundo: a Religião da Antiga Roma era a religião da transformação, do tempo, da ação, de um contrato entre os sujeitos que agem. Estas são as condições que a filosofia estoica e platônica jamais compreenderam e, a ação delas deformou, até os dias de hoje, a interpretação da Antiga Religião de Roma, nivelando-a aos modelos estáticos do platonismo e neoplatonismo primeiramente, e ao modelo do cristianismo depois. Retomar a tradição religiosa da Antiga Roma, de Numa, significa sair fora dos modelos cristãos, neoplatônicos e estoicos para se retomar a ideia do tempo e da transformação em um mundo que se transforma.