Noite Negra e os seus filhos na Teogonia de Hesíodo

A Religião Pagã fala da realidade dos Deuses
Teogonia de Hesíodo

Claudio Simeoni
traduzido por Dante Lioi Filho

Il libro

 

Noite Negra e os seus filhos
A Religião Pagã e a Teogonia de Hesíodo

Noite Negra ensina como praticar Stregoneria aos Stregoni.

Noite Negra é o Genius Loci do universo. Não tem consciência de si mesma, mas no momento em que, em Urano Estrelado começam a germinar as primeiras autoconsciências, Noite Negra se torna uma espécie de Genius Loci do universo à disposição de cada Autoconsciência individual, da Galáxia à mais ínfima espécie da vida que podemos imaginar.

É a segunda vez que encontramos Noite Negra na Teogonia. Noite Negra pariu Noite Negra. Noite Negra gera a si mesma, modificando-se através daquilo que se realiza em Noite Negra. O homem gera a si mesmo modificando-se naquilo que se realiza no homem: sedimenta estrutura física, sedimenta consciência, sedimenta inteligência, sedimenta experiência, sedimenta e se transforma desvendando o mundo em que ele vive. Noite Negra se transforma como Genius Loci que cresce através das transformações, daquilo que ela contém: nada, como sujeito que se transforma ou como o conjunto no qual se transforma, é igual a si mesmo, porém tudo se transforma numa contínua adaptação subjetiva, onde a objetividade é subjetividade em transformação e amoldagem em relação à objetividade que agem nela.

A primeira Noite Negra, que gera Éter e Dia, unindo-se ao Érebo, enquanto Gaia passa da Autoconsciência de si e para si ao nada, que se expande, ocupando o vazio, é uma Noite Negra que deliberou o seu Ser no Nada. Noite Negra, que encontramos agora, é a Noite da razão! É o obscuro que delimita a razão, que a desconcerta e do qual despontam fenômenos incompreensíveis que fazem surgirem nela Deuses medrosos. Os medos que a razão adverte em seu afastamento (dos fenômenos) para que o Ser Humano, no nosso caso, não transgrida a sua descrição racional, e não colha da árvore da vida para poder viver eternamente fora desse controle racional, são os fantasmas que nos incutem terror para nos impedir de modificarmos a própria razão.

A segunda Noite Negra deve ser lida pelo ponto de vista do vidente humano, é uma razão suspensa no ininteligível que é chamada de "emoção".

A primeira Noite Negra se une em amor e gera o universo do modo como nós o conhecemos. Portanto, gera as possibilidades da vida tornando-se espaço no qual Gaia se expande. A segunda Noite Negra gera dela mesma os fantasmas que a razão adverte nas suas fronteiras, nos limites daquilo que ela pode descrever: as divisas da gaiola dentro da qual encerra o vir a ser humano!

Das divisas, que limitam a descrição da razão, se apresenta um desconhecido que bate às portas da razão e solicita a ela para reconhecê-lo. Diante desse desconhecido a razão fica transtornada. A razão pensava ser a totalidade do mundo, e pensava ser essa totalidade no indivíduo em que tinha o controle. Qual deus surge à razão? Moros, o tenebroso, impressionante e maléfico destino inelutável contra o qual a razão se dirige. Um monstro impressionante: "Eu não sabia! Eu não acreditava!" afirma a razão diante dos acontecimentos que destroem o vir a ser humano, do qual se erigia a dona! O caminho estava límpido, podia-se enfrentar o mar num barco controlável. Por quê a tempestade arrastou o barco, que transportava o Ser Humano, a quem a razão aconselhava, levando-o a tornar-se comida de peixes vorazes? O mar estava calmo, a trajetória livre! É Moros gerado pela Noite Negra que arrastou o barco. É Moros, o filho da Noite Negra, que impõe a cada autoconsciência o fim das transformações próprias. Existe um tempo, ou se preferirem, existem condições que impõem o fim da consciência. É o destino "malvado" dos Deuses que levou o Ser Humano, a quem a razão aconselhava, a se tornar alimento dos peixes! Existe o fim das transformações, para todos, também para a Noite Negra, e esse fim se combate tornando-se nada em relação ao presente vivido, e acolho perspectivas para um outro percurso, que atravessa novos e diferentes presentes.

Moros é o fantasma por trás do qual a razão esconde a sua impotência própria. As sugestões, fruto do desejo de sobrevivência da razão, para poder esconder a sua incapacidade de enxergar o tempo, no momento em que ele nos vem de encontro, incitam o homem para o desejo da imortalidade e da onipotência. A razão se eleva a dona do Ser Humano, porém é incapaz de dominar o desconhecido que a rodeia, esconde a sua insuficiência atrás de fantasmas que confirmam o seu delírio. Moros é o senhor desses fantasmas! Moros é a morte da razão. O visual e o fim da razão, que limita o tempo da transformação humana. Os Seres da Natureza, os Seres do Universo, qualquer que seja a espécie ou a qualidade na qual veio a ser a sua consciência, têm um tempo de transformações subjetivas finito. A qualidade surge da quantidade e o surgir da qualidade é a morte do sujeito no processo de acúmulo no estado no qual acumulou a quantidade das transformações subjetivas. O Ser, cada Ser, depois de ter se desenvolvido nas relações com o não-ser, como objeto diferente de si, no qual vivia, soluciona a si mesmo no nada, do seu percurso próprio, e aquele nada é nada, porque nos concerne como Seres Humanos, da razão.

Ker negra (Chere) associada à Morte! Outra não é senão o complexo da sequência das escolhas subjetivas que levam à destruição da Autoconsciência. O destino, afirma a razão, que leva à tua destruição!

Não!

A sequência de escolhas que eu fiz e que me levaram a destruir, de qualquer modo, o presente físico em que vivo.

Depois da primeira escolha destrutiva, torna-se simples, quase óbvio, fazer a segunda a escolha destrutiva. E, depois da transformação subjetiva que coloquei em ação com a segunda escolha, de fato, construí condições subjetivas quase obrigatórias que me levam a fazer as escolhas sucessivas. Em cada escolha modifico a mim mesmo, na direção em que outra coisa não posso fazer senão escolher. Cada vez que cedi a um compromisso entre aquilo que eu queria fazer ou julgado que deveria fazer, e aquilo que fiz, modifiquei a mim mesmo, a minha percepção do mundo, a minha leitura da realidade, e a estrutura das minhas opiniões, com as quais justifico o meu agir no mundo. Cada vez que agi no mundo expondo as minha emoções, o meu envolvimento emotivo nas relações, modifiquei seja o mundo seja a mim mesmo, abrindo passagem à novas e diferentes possibilidades transformação subjetiva. As construções do homem e da mulher, não são visíveis à razão. Inclusive quando os processos de construção de cada um deles são processos destrutivos, não se mostram à razão. A razão não vive as modificações dos efeitos produzidos pelas ações do homem e da mulher; não vive a transformação. A razão vive um antes e um depois que é sempre um agora, um neste momento fixo, sem história nem futuro. A destruição, como a construção, não aparece à razão como o final das escolhas. A razão não tem plano com o qual as escolhas são feitas: a razão vive o instante presente e somente com aquilo que é definido pela sua descrição. Construção e destruição são iguais, sempre um trajeto que transforma o presente com base nas escolhas feitas pelo sujeito, que age no seu próprio presente. O instante presente, a escolha que é imediatamente conveniente, a escolha que não coloca em discussão a razão e a descrição racional que o indivíduo está vivendo. O seu ajustamento àquilo que encontrou, como se aquilo que encontrou fosse a única coisa existente, ao invés de ser a única descrição que a sua razão consegue fazer. O destino destrutivo: Ker! Ker é aquilo que o Ser Humano constrói dia após dia e que a razão atribui a algo inelutável em relação ao qual ela afirma estar desarmada. Isto não é verdade!

Ker é aquilo que o Ser Humano constrói dia após dia, e que a razão reputa como necessário em relação ao qual ela afirma estar desarmada. Não é verídico!

Ker negra está associada à morte! Aqui se trata da Morte entendida como impossibilidade de transformar a quantidade do que é vivido, em uma qualidade de transformação subjetiva. Trata-se dos fins das mudanças, não a morte do corpo físico que o Ser Humano transforma em nascimento do corpo luminoso, sendo filho de Cronos. Morte como cessação das mutações. Morte como um fim da possibilidade, daquela determinada Autoconsciência. para se tornar parte do universo: parte da futura construtora da Autoconsciência, Gaia. As escolhas destrutivas que a razão atribui a Ker têm a finalidade de ofuscar o sentimento e a intuição do Ser Humano, que não soube transformar a sua razão em um instrumento para ser colocado ao seu serviço, atribuindo a causa da sua falência a uma fatalidade destrutiva imposta por Ker.

Filhas da Noite são as Kere:

"e as Kere gerou, atroz ao fornecer as penas..."

Por quê atroz? Porquê em cada escolha que um Ser da Natureza realiza, há influência sobre o próprio ser e sobre as suas transformações. Expande-o na existência, torna-o hábil, sabedor e consciente, ou, o torna inábil, covarde, ignorante e inconsciente. A cada escolha realizada por um Ser, cada ação, transformam o seu ser, e a ação sucessiva será filha das transformações subjetivas, que as ações precedentes construíram para a imagem daquele indivíduo, daquele Ser, que se apresenta ao mundo com aquele "poder de ser". Essas são as penas infligidas pelas KERE: a transformação subjetiva do indivíduo como produto da sua ação. E eis a razão a afirmar: "Se não estás mais em condição para executar ações corajosas, se tu não tens conhecimento e noção suficiente, se não estás em condição para enfrentar o que te cerca, não é por causa da minha ação para te impedir de sair dos limites que te impus. Dentro desses limites tu te sentes seguro: está atento às Kere que poderão te agarrar fora desses limites!" Desse modo, enquanto o Ser Humano é aterrorizado pelos fantasmas que a razão lhe impôs para serem guardas dos seus limites, ela restringe, cada vez mais, a ilha da sua descrição racional, com a finalidade de destruir no Ser Humano a conscientização do desconhecido em que ele vive.

As Kere estão próximas das Moire constantemente geradas pela Noite Negra (Nera Notte). Pela Noite Negra gera-se o que a razão considera obscuro, e por isso, constrói os fantasmas para impedir o Ser Humano de poder construir o deus que cresce dentro dele e entrar para o Olimpo.

As Moire estabelecem um acontecimento e um destino? As filhas da Noite Negra e as filhas de Zeus? São filhas de quem as Moire? Na Teogonia são filhas da Noite Negra que são geradas por ela sozinha, e são filhas de Zeus e Temi (Temis).

As Moire, filhas da Noite, arquitetam a vida de cada sujeito do universo. Na Noite Negra nascem os Seres, e na Noite Negra os Seres, seja como for como urdiram a vida deles, definem a existência deles. A vida é feita por um corpo, por escolhas e por um acúmulo quantitativo, que separado de Atropo (borboleta noturna amarela e negra, chamada também cabeça da morte - Garzanti Linguistica) é deliberada por uma transformação qualitativa do sujeito.

Uma Autoconsciência se manifesta no mundo por meio de um corpo: a qualidade do corpo com o qual uma autoconsciência vem a ser, não pertence à escolha da autoconsciência, sucede porque as condições impuseram que aquela consciência de Si venha a ser. A qualidade do fio, com que as Moire maquinam, não depende da autoconsciência. A qualidade, do modo como a vida é tramada, depende da vontade que a autoconsciência, que veio a ser, exerce na sua existência. O fio é filho de necessidade, mas o tecer é o que a consciência executa na sua existência. Aquilo que Atropo separa, no fim da existência, nada mais é senão a qualidade que foi construída entre a necessidade que levou a consciência a nascer e a vontade que aquela consciência adicionou, escolha após escolhas, à necessidade do seu nascimento pela vida toda. Em cada escolha da sua vida. Não importa quando Atropo divide o fio da existência. Nesse momento a consciência deve estar pronta para se transformar, porque a transformação na qualidade do seu existir, é a única condição para continuar a existir. Atropo confirma as transformações daquele ser no nada. Um nada do qual germina uma possível nova consciência, que usa da vontade própria nas relações com o mundo em que germinou.

As Moire, filhas de Temi e Zeus, são as Moire que se apartam do universal da Noite Negra, particularmente aos filhos do Ser Natureza de Zeus afim de que os que germinam na Natureza tenham a possibilidade de construírem o caminho deles na eternidade.

Temis é a Titânide que mantém o equilíbrio no universo. Esse equilíbrio se chama "Justiça" e constitui o oposto do conceito de "imposição", que é imperativo entre os hebreus e os cristãos. Um conceito de imposição. Um conceito de prepotência onde as Moire são limitadas por Platão quando, nele, são separadas da autodeterminação da composição da vida do homem; Platão faz das Moire filhas de Ananke, Necessidade, transformando-as em um destino predefinido no qual aprisionar o homem, e com isto, destruir o seu vir a ser, obrigando-o a afastar-se de si mesmo. Platão obriga o homem a renunciar o uso da sua vontade própria; obriga-o a ficar de joelhos, apavorado e surdo, na espera da providência de um patrão. As Moire, filhas de Zeus, são próprias do Ser Humano corajoso que não retrocede diante do desconhecido, mas o enfrenta. É o Ser Humano que não teme Justiça, mas a alimenta com a sua coragem própria, que tece o fio glorioso da própria vida.

Os filhos da Noite:

"Cloto, Lachesi e Atropo que aos mortais
há pouco nasceram oferecem ter o bem e o mal.
que dos homens e dos deuses, perseguem os delitos;
nem mesmo as deusas cessam com a ira terrível
antes de terem infligido pena terrível a quem quer que tenha falido"

A tradução fala de pecado ao invés de falência, mas o termo pecado é um significado do cristianismo, e a condição emotiva que hoje indica e comporta, o termo não coincide com quem está enfrentando a vida com desafio: prefiro o termo falir!

Filhas da Noite são também Biasimo e Desventura. Quando as escolhas do indivíduo não o conduzem lá aonde Eros o incitava, os fantasmas da razão lhe atribuem a falência. Quiseste seguir o teu intuir, quiseste seguir o teu instinto e faliste : submete-te à razão. O biasimo da razão é um fantasma feroz que aumenta a obrigação do Ser Humano, impedindo-o de tentar novamente agora, talvez falindo agora, impedindo-o de acumular experiência e enfrentar o infinito.

E a mesma coisa é para Desventura. A razão a constrói como um fantasma que nasce da sequência das suas escolhas. A razão está pronta para atribuí-lo a um sujeito "externo a ela", que seria exclusivo de fantasmas, e às desgraças que eles induzem; a razão está sempre pronta para atribuir ao Ser Humano as suas derrotas, quando, covardemente, não aceita seguir o intuir próprio e a percepção que lhe é própria. A razão chama à balbúrdia os seus fantasmas, com a finalidade de que o Ser Humano não experimente naquele momento a saída dos seus limites angustiantes.

Da Noite se geraram os campos de batalha, aos quais os Seres Humanos alimentam a consciência, que se forja nos desafios da vida.

Da Noite nasceram Sono e os Sonhos.

Da Noite nasceram as condições divinas para o viver por desafio, que cada Ser Humano conduz lá no infinito, quando, lutando com os Deuses, e alimentando os Deuses dentro de si, obriga-os a um relacionamento, construindo-se a si mesmo.

No Sono se gera o Sonhar.

O Sonhar, o sussurro dos Deuses ao Ser Humano; o aviso que supera os limites da razão.

O Sonhar, um campo de batalha, aonde as regras pertencem ao ânimo de quem o atravessa, as suas emoções se diluem em imagens livres de regras e esquemas.

Sono e sonhar são os momentos da regeneração, da transformação da estrutura psico-emotiva, do Ser Humano. Os seus momentos de crescimento como transformação emotiva tal qual a interiorização da experiência. Não a experiência entendida como recordação e memória, mas a experiência entendida como modificação da estrutura emotiva que predispõe o indivíduo a enfrentar o novo que se apresenta a ele, quando, ao acordar, a sua consciência se reestrutura retomando o controle do indivíduo que ressurge do sono e dos sonhos.

Da Noite Negra gera-se o grande campo divino da competição quotidiana, na qual constrói-se a vida. Quantos Deuses negros em tantas batalhas, debaixo de tantos cadáveres, o Ser Humano deve controlar afim de que não se apropriem do seu coração e das suas ações! Portanto, somente controlando esses Deuses negros é que o Ser Humano se constrói no infinito. Quando um desses Deuses negros se apodera do seu coração e do seu braço, ele é vencido. O insucesso constitui a sua renúncia ao infinito.

O primeiro entre eles é Nêmesis, a vingança!

Maldito o Ser Humano que não lembrar!

Maldito o Ser Humano que esquece os esforços que outros Seres realizaram para que lhe fosse permitido ser isto que ele é!

Maldito o Ser Humano que não recorda quantos sofrimentos foram necessários para ele ser o que é, permitindo-lhe a aproximação ao firmamento da consciência e do conhecimento. Quem disto não se recordar está destinado a começar do início. Está destinado a não sentir o respiro do mundo que o cerca. Quem não se recorda pavimenta com tristes pedras a estrada do seu próprio caminho, e se prepara à Nêmesis do mundo, que lhe pede o seu preço.

A soberba, a arrogância, o desprezo ao mundo, atrai, com esses comportamentos, a ação de Nêmesis, que faz com que os mortais e os imortais se recordem que não são os proprietários do mundo, mas apenas e tão-somente habitantes que vivem nele. Quando NÊMESIS se apropria dos Seres da Natureza, os destrói, impedindo-lhes de caminhar na vida. NÊMESIS significa vingança, a amargura dos Seres Humanos. Quando um Ser Humano esquece do Intento com o qual age, procurando uma vingança, uma desforra, que satisfaça o seu ego, a sua importância pessoal, destrói o seu próprio vir a ser no infinito. Quando os Seres Humanos são aprisionados em condições destrutivas, Nêmesis se transforma nas Eríneas, as primeiras forças da vida, que nascem do sangue de Urano Estrelado.

Os Deuses que nascem da Noite Negra, são Deuses de aspectos infinitos. Nós captamos o aspecto que queremos considerar neste momento, mas se eu afirmasse que o "Bem" (comumente entendido) é o Engano, ou, o Mal (conforme é entendido) é o Engano, estarei falando sempre de Engano colocando-o em ambientes diferentes. Qualquer que seja o juízo dado aos Deuses, filhos da Noite Negra, é sempre exato e é sempre errado, porque nós com o mesmo nome chamamos a ação que nos causa danos ou que nos é útil.

É isto o que Noite Negra transmite através dos seus filhos: Eu os pari - diz Noite Negra - compete a ti usá-los!

Ainda três filhos terríveis de Noite Negra: Engano, Amor, e Velhice Desastrosa.

Submeter-se a esses Deuses, alimentar esses Deuses, significa destruir a si mesmo. O Ser Humano que se faz Engano, para enfrentar o seu quotidiano, nada mais faz senão alimentar a impotência do construtor. Quem se faz Engano se apropria dos Seres Humanos e funda as bases para a destruição da vida. Reconhece-se o engano transferindo a tua atenção das palavras, das quais jorra o engano, para as ações; não há engano porque és tu a interpretar as ações. No máximo podes enganar-te porque não estavas adequadamente preparado para interpretar as ações, mas o Engano não se apropria de ti. Somente as pessoas que creem, que têm fé na verdade, podem ser enganadas. Acreditar e ter fé na verdade, não pertence à ação, mas somente às palavras com as quais se descreve uma realidade desejada mas não atinente à realidade vivida. Onde tu colocas a tua atenção?

E quem define a sua própria vida no Amor? Quem faz do Amor a finalidade da sua vida? Quem submete o seu Intento para fazer do Amor o escopo e fim da sua existência própria, faz um instrumento belo para usar-se e prazeroso para se viver, destruindo nele a si mesmo.

Engano sussurra nos ouvidos do Ser Humano a facilidade por meio da qual viver-se apropriando-se dos Seres Humanos, e AMOR sussurra nos ouvidos do Ser Humano o prazer do AMOR por meio do qual obrigar as pessoas à obediência e como esta deve ser a manifestação de quem responde ao seu AMOR.

Qual é o significado de Amor, filho da Noite Negra?

Somente com os hebreus e com os cristãos viemos a conhecer o Amor, filho da Noite Negra e irmão de Engano, que leva à Velhice Desastrosa: a trindade da destruição do homem.

Constrange as pessoas à miserabilidade, à indigência, e amando-as, poderás acumular sobre elas carvões ardentes e queimá-las vivas, incutindo nelas a submissão.

Os hebreus escrevem, para poderem queimar as pessoas vivas:

[21] "Se o teu inimigo tem fome, dá-lhe pão para comer, se tem sede, dá-lhe água para beber,"

[22] "porque assim acumularás carvões ardentes sobre a sua cabeça e o Senhor te recompensará"

Provérbios 25, 21-22

Os cristãos confirmam para poderem queimar as pessoas vivas:

"Ao contrário, se o teu inimigo tem fome, dá-lhe de comer; se tem sede dá-lhe de beber: fazendo isto, de fato, acumularás carvões ardentes sobre a sua cabeça."

Paolo de Tarso, Romanos 12,20

Amor nada tem a ver com Eros. Não é o prazer que se expande no mundo, mas é a posse de narciso, que submete o mundo a ele. No Amor, filho da Noite Negra, não existe Intento que se difunde no mundo e que modifica tanto o sujeito como o mundo. Existe uma reafirmação de si mesmo como o narciso que ama a sua própria imagem e suplica ao mundo para amá-lo. Quando o mundo não responde à ambição do narcisista Jesus, este acumula carvões ardentes para queimar os homens.

Há um mundo no qual o conhecimento, a percepção, obriga o Ser Humano a confundir esses Deuses. O Ser Humano deve reconhecê-los e deve obrigá-los a mostrarem os seus rostos: o nome verdadeiro deles! E é deste modo que o Ser Humano evita Velhice Desastrosa.

O que sucede com os enganos quando Amor não tem a força para alimentá-los?

O que sucede com Amor quando, já velho e cansado, sente os membros sem força, e o objeto por ele possuído reivindica a sua condição própria de pessoa desejosa?

É a Velhice Desastrosa que o pega no momento em que já cansado, exausto, conta com nostalgia os belos tempos antigos, quando suportava engano (este hábil e astuto) impondo esse engano a quem não podia se defender, e então, submetendo essa pessoa indefesa, conquistava dela o Amor (ele forte e viril). Os belos tempos antigos, que para ele hoje constituem a Velhice Desastrosa, agora dona do seu coração e do seu sentimento. Pode apenas recordar para afastar o desespero no presente em um desejo nostálgico de uma vida perdida.

Noite gera Contenda!

A Contenda se apropria do Ser Humano. Obriga-o a compactar-se para enfrentar a desconhecida Noite Negra da vida, conseguindo, quando sustentado por um coração corajoso, enfrentar as Hespérides, também filhas da Noite Negra, e colher as maçãs de ouro do Conhecimento, da Noção e do vir a ser no infinito.

Noite Negra gera de si mesma as condições necessárias às transformações dos Seres do universo, como da Futura Natureza. Gera as condições e as forças que determinarão os Seres, na tentativa de se oporem e se adaptarem, obrigando-os à transformação. Contenda exorta os Seres a se condensarem, a todos eles, porque ela é a contradição que se gera entre a relação do Ser e do não-Ser. Cada Ser em cada não-Ser. As condições construídas por Contenda necessitam da compactação dos Seres, enquanto as relações levam a se formarem nos corações deles as transformações e estas se dosam, se quantificam, instante após instante, no quotidiano, e assim os Seres se constroem, a eles mesmos. Contenda, filha da Noite Negra, será transformada nos Seres da Natureza em Ares por parte de Zeus, ele é a atmosfera, e Hera, esta é a Natureza.

"Confrontem-se na contenda, porque eu, Contenda, tenho no seio dádivas funestas para quem não se compacta, e não faz de Contenda a relação, através da qual, possa construir a própria vida. Talentos desastrosos, Deuses violentos que se apropriam da vida dos homens, destruindo o vir a ser deles nas mutações infinitas. Salvem-se de Contenda sem disputar, e mitigarão os meus filhos no coração de vocês!"

Por Prometeu!

Contenda, Contenda, tivessem te escutado os antigos pais, muito menor seria o sangue derramado, e as lágrimas e as dores, enquanto admiravam impotentes aquela cruz maldita avançar em direção a eles.

Assim, os filhos de Contenda se mitigaram no coração deles e os homens impostos pelos cristãos, e a cruz, eles impuseram para mitigar os filhos de Contenda, inclusive no coração dos filhos deles: esborrifam água sobre a cabeça, mas é o ferro em brasa que queima e destrói o ardor da alma deles!"

Os filhos de Contenda se tornaram donos dos Seres Humanos:

"CONTENDA gerou PENA DOLOROSA, ESQUECIMENTO E FOME, e DORES que fazem chorar, LUTAS e BATALHAS e DELITOS e HOMICÍDOS, DISCÓRDIA e ENGANOS e DISCURSOS e AMBÍGUOS DISCURSOS, ANARQUIA e DESGRAÇA que vão unidos entre eles, e JURAMENTO , que aos homens da grande terra, grande infortúnio conduz quando algum deles, querendo, juram falso."

Aos Seres Humanos nada resta senão suplicar. Assim, os filhos de Contenda se apoderaram mais ainda dos seus corações. Impotentes, não conceberam Contenda dentro deles. Impotentes não expulsaram os filhos dela, puseram Contenda contra eles nas sociedades dos homens. Ao invés de se fazerem Contenda, os homens preferiram fazerem-se ovelhas do rebanho, que o "bom pastor" que as ama praticando Amor, filho da Noite Negra, os leva ao matadouro da vida.

Assim, os Seres Humanos não alcançaram as terras das Hespérides e não desafiaram a grande serpente da vida. Suplicaram por água para aplacar a dor que os filhos de Contenda impunham a eles.

Os Seres Humanos suplicantes jamais alcançaram o lugar aonde as Hespérides protegiam os pomos de ouro, do Conhecimento e da Sabedoria, nem jamais colheram da árvore da vida para comê-los e viverem eternamente.

E o dominador dos homens os transformou em ovelhas, impôs-lhes um Juramento. Aquele Juramento de fidelidade ao dominador que "aos homens da terra, grande angústia traz..." Juraram fidelidade ao patrão e não juraram fidelidade a si mesmos!

Noite, sem deitar-se com ninguém, pois com o germinar de Urano Estrelado, torna-se útero do universo; fez surgir do seu seio aqueles Deuses, que se tornaram condições divinas em torno das quais forjaram-se os nascidos, tanto os mortais como os imortais, determinando as tensões divinas através das quais os Seres da Natureza se tornam Deuses. Noite Negra, sem unir-se com ninguém, gerou os grandes campos do desafio do vir a ser humano. Assim foi Sonho, assim foi o desafio no Ser Natureza. Noite Negra, sem deitar-se com ninguém, gerou a finalidade da vida dos Seres da Natureza: colher os pomos de ouro do Conhecimento e da Sabedoria.

Noite, deusa mãe dos Deuses. Noite Negra, o obscuro da razão. Noite que delimita a Razão. Noite, futuro que gera o presente.

O desafio à Noite Negra é o desafio para a construção da vida. Não desafiar Noite Negra e os fantasmas que dela são induzidos pela Razão para obrigar o Ser Humano à obediência, significa alimentar esses fantasmas, santificá-los, impô-los para destruir o tempo que se confronta com o Ser Natureza.

Quando na vida cotidiana tudo parece perdido. Quando a razão não encontra Dike. Quando os Deuses Titãs ao invés de surgirem do nosso coração, estão encerrados no Hades, não sobra senão o útero da Noite Negra. O útero se abre e acolhe os desesperados. Os desesperados se conectam ao cordão umbilical lançado a eles por Noite Negra e, Noite Negra os guia para que reexaminem toda a existência deles.

Os cristãos destruíram tudo ao longo do caminho deles, mas não Noite Negra que acolhe as suas vítimas para prepará-las para uma nova e diferente existência.

Lembrete: transmissão pela radio em 2000 - início da revisão em 18 setembro de 2014

*Nota*: a tradução da Teogonia é extraída de Hesíodo "Teogonia", trad. Graziano Arrighetti, edição BUR

Marghera, 02 de outubro de 2014

(Trecho extraído da Obra de Claudio Simeoni *A Estirpe dos Titãs*, um trabalho iniciado em 27.12.1999)

A tradução foi publicada 23 de setembro de 2015

Aqui você pode encontrar a versão original em italiano

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Claudio Simeoni

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A análise da Teogonia de Hesíodo

A Religião Pagã forjou uma visão própria do mundo, da vida e do vir a ser das consciências desde as origens do tempo. Tais ideias coincidem no tempo presente com as ideias das religiões e dos primeiros cultos antes da chegada da filosofia, e foram hostilizadas militarmente pelo ódio cristão contra a vida. Analisar Hesíodo nos permite clarificar o ponto de vista da Religião Pagã.